Transtorno de estresse pós-traumático: experiências de violência podem desencadear doença; entenda o que é

            Passar por experiências inesperadas e negativas tem o potencial de nos afetar a longo prazo.  Em um primeiro momento pós-evento, é até natural certa inquietação, mas se os sintomas se tornam persistentes, é possível que você vivencie Transtorno de estresse pós-traumático, o TEPT. O que conecta a experiência ao desenvolvimento da doença é a sensação ou pensamento de que se vai morrer ou perder alguém querido de forma violenta.

            Roubo, assédio, estupro, morte violenta de alguém da família, acidentes de trânsito e mesmo fenômenos naturais, como terremotos, enchentes e furacões. Todos são situações inesperadas e violentas que trazem danos para a vida da pessoa, especialmente à saúde mental. No entanto, as estatísticas apontam que apenas entre 5 e 10% que vivenciam episódios como este desenvolvem o TEPT.

A psicóloga Gláucia Orth, especialista em trauma, explica que temos um mecanismo que permite lutar ou fugir frente a uma situação de perigo. E, por ser uma resposta involuntária que visa garantir a sobrevivência, cada um age de um jeito: corre, congela, não fala, desmaia, grita… “Frente a algo inesperado, nenhum de nós sabe como vai reagir. Todos planejamos viver muitas coisas na nossa vida, ninguém planeja ser vítima de violência”, reforça.

Se tem estabelecido na literatura que o estupro é o evento com maior chance de gerar TEPT, principalmente entre crianças e adolescentes. Quem tem o TEPT, mesmo após a experiência terminada permanece com pensamentos repercutindo os eventos.

Vale o destaque que, no nosso dia a dia, é comum ouvirmos alguém se expressar dizendo que “está traumatizado” ou passou por uma situação “traumatizante”. Com a popularização do termo, é preciso ter cuidado em diferenciar vivências negativas do processo de trauma psicológico em si, conforme as definições e protocolos profissionais. Ou seja, tá tudo bem continuar usando a expressão quando queremos dizer que algo não foi legal, mas precisamos reconhecer que o Transtorno de Estresse Pós-traumático é uma psicopatologia, e como tal, tem diagnóstico e precisa de tratamento.

Entendendo o TEPT

São diversas variáveis  que determinam se a pessoa vai ou não desenvolver a doença. Entre os fatores está as experiências anteriores da pessoa em sua vida (quanto mais exposição a violência e experiências adversas, maior a probabilidade de desenvolver transtornos na área de saúde mental); gravidade da situação que passou; e suporte recebido (quando bem acolhida, os impactos tendem a diminuir).

            Mas, ok! Passei por uma experiência violenta e agora tenho dificuldade para dormir, pesadelos, perda de apetite, não consigo passar perto do local do acontecimento, sair de casa é difícil e tenho reações fisiológicas de medo (como mau estar, náusea, irritabilidade e pouca concentração). Todos são sintomas esperados e naturais, durante um período. Se passado 1 mês, 2 ou 3 eles permanecem com a mesma intensidade, é hora de acender o sinal de alerta. 

            “Nestes casos já pensamos que os sintomas não vão embora sozinhos. A a experiência aconteceu no passado, mas eu sofro hoje as consequências como se tivesse acontecido agora”, contextualiza Gláucia. São reações incontroláveis, com memórias intrusivas e reações através de gatilho – cheiros, horários, barulhos, sensações.

            Junto com isso se somam um agir mais agressivo; irritabilidade; visão negativa de si, dos outros e do mundo; hipervigilância; impressão que a experiência está se repetindo; coração acelerado; se sobressaltar com facilidade; problemas para dormir; falta de concentração; pesadelos; evitar as memórias da experiência.

            Além do TEPT simples – que acontece por eventos isolados – também temos o TEPT complexo, que ocorre com experiências crônicas de violência (em que somos expostos repetidamente, mais de uma vez), especialmente as passadas na infância e adolescência. Além das situações de violência doméstica. Sofrer repetidamente violência compromete profundamente a visão que temos de nós mesmos.

E fica o lembrete que posso desenvolvê-lo tanto por experiências que eu próprio passei quanto as que aconteceram à pessoas próximas à mim.

            E, tem tratamento?

            Claro que sim! Por mais difícil que seja o processo, com certeza vai trazer alívio e evitar sofrimento prolongado. Ter TEPT prejudica a qualidade de vida da pessoa. Só para dar alguns exemplos: distorce a visão sobre você mesmo, prejudica vida social, o sono, relações interpessoais…          

“Por isso buscar tratamento tem o potencial de ser revolucionário. Ninguém precisa viver excessivamente com medo. Depois do tratamento, vemos que sintomas e frequência diminuem muito”, endossa a psicóloga Gláucia. Ela explica que existe um roll de intervenções com evidências científicas. Nestes casos, são indicados especialmente a Terapia Cognitivo Comportamental e intervenções desenvolvidas a partir da neurociência, com exposição narrativa.

            Nas exposições, é necessário se aproximar do evento causador do trauma, com o objetivo de revisitar experiências e ressignificá-las. Em alguns casos pode ser prescrita medicação pelo Psiquiatra. E tudo é baseado em instrumentos e protocolos com base científica, que vão tentar mensurar quanto o evento afeta a qualidade de vida daquela pessoa.

Fonte: Gláucia Orth, psicóloga, CRP 08/16841