Cientistas investigam a contaminação por bactérias em queijo minas frescal

Karina Ninni | Agência FAPESP – Ao estudar a baixa frequência da bactéria Listeria monocytogenes em queijos do tipo minas frescal no Brasil, uma equipe do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC) da Universidade de São Paulo (USP) chegou a uma conclusão que deveria servir de alerta: ela está sendo inibida por microrganismos competidores, entre eles coliformes.

Tal fato não representa necessariamente um risco à saúde, pois nem todas as bactérias do tipo coliforme são patogênicas. Indica, porém, falhas de higiene no processo de fabricação.

O artigo, intitulado Listeria monocytogenes inhibition by lactic acid bacteria and coliforms in Brazilian fresh white cheese, foi publicado no Brazilian Journal of Microbiology.

Como explicam os autores, a Listeria monocytogenes está geralmente presente em produtos prontos para consumo, como embutidos fatiados, saladas já higienizadas e queijos macios. Gestantes, idosos e pacientes com problemas de imunidade são os principais grupos de risco para infecção por essa bactéria, que pode causar meningite, meningoencefalite e até aborto.

“Nos livros de microbiologia de alimentos aprendemos que a Listeria não é uma boa competidora. E nossa pesquisa comprova essa característica”, explica Uelinton Manoel Pinto, coautor do artigo e membro do FoRC – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.

O trabalho tem como primeira autora Lina Casale Aragon-Alegro, cujo doutorado foi orientado pela professora Maria Teresa Destro, também ligada ao CEPID.

Em entrevista à Agência FAPESP, Destro relata como teve o insight que originou o estudo. “Comentei com um colega do Canadá que Listeria não era um grande problema em nossos queijos frescos macios, ao contrário do que acontece em outros lugares, como a Europa, por exemplo. Eu levantei a possibilidade de que a presença elevada de coliformes poderia ser o motivo e ele me sugeriu estudar o assunto”, lembra.

Segundo a pesquisadora, há trabalhos mais antigos dando conta de que, por aqui, o queijo minas frescal (industrializado ou não) tem elevada contaminação por coliformes. Ela cita um estudo da professora Susana Saad, de 2006, que indicava presença de Escherichia coli (bactéria patogênica que compõe a flora intestinal) acima do limite estabelecido pela legislação em várias marcas comercializadas no mercado. Em contraposição, não é comum isolar Listeria de queijo minas frescal no Brasil.

“Sabíamos que a presença dela era baixa, mas não sabíamos o porquê. Esse trabalho mostra que, quando há muito coliforme, a Listeria não consegue se multiplicar.”

Vale ressaltar que os pesquisadores chegaram a essa conclusão por meio de experimentos conduzidos em laboratório. Não foi feita, portanto, avaliação de queijos comercializados no país.

O experimento

Destro explica que a Listeria não está na matéria-prima (o leite), que é pasteurizada, mas no ambiente de processamento dos produtos, tanto em laticínios quanto na indústria de cárneos. “Costumamos dizer que, quanto mais se limpa o ambiente, maior é a possibilidade de encontrar Listeria – justamente porque, ao limpar, seus competidores são eliminados.” E ressalta que, de forma geral, a bactéria tem pouca incidência nos alimentos, se comparada a outras, como a Salmonella, por exemplo. Mas, quando ocorre, causa muitas mortes.

“A mortalidade por Listeria alcança de 30% a 50% no grupo de risco”, conta.

Para simular o que poderia estar acontecendo nos queijos brasileiros, a equipe de pesquisa isolou bactérias do grupo coliforme de marcas comerciais encontradas no mercado. Por definição, coliformes são bactérias que fermentam a lactose e produzem gás entre 32 °C e 35 °C e, normalmente, estão disseminadas no ambiente, como água, solos e vegetais. Entretanto, uma pequena parcela pode ser proveniente de contaminação fecal, que é o caso da E. coli.

Usando esses coliformes, os cientistas fabricaram queijos contaminados. “Partimos de um leite pasteurizado de boa qualidade, ‘sujamos’ esse leite com os coliformes e com a Listeria e então elaboramos o queijo, em conformidade com as etapas da indústria. Inoculando o leite, consegue-se um produto homogêneo e já contaminado para avaliar. Não seria viável, para nossos estudos, inocular essa bactéria em um queijo já pronto, pois não é possível inocular a massa de maneira uniforme”, explica Destro.

Foram feitos 48 queijos. Parte foi acidificada com ácido lático e parte pela adição de uma cultura de bactérias láticas. Depois, os queijos de cada lote foram divididos em três grupos e armazenados a 5 ºC, 12 ºC e ciclos de 5 ºC seguidos de 25 ºC.

“As três temperaturas simulam condições distintas: a primeira representa a temperatura ideal de manutenção [abaixo de 8 ºC]; a segunda é uma situação de ‘abuso’ – vale ressaltar que 10 ºC já é considerado abuso, e boa parte das geladeiras domésticas trabalha entre 10ºC e 12 ºC. E a terceira é a simulação de uma feira livre: o feirante leva o queijo gelado para a feira, deixa em temperatura ambiente, volta para casa e põe de novo na geladeira”, explica Lina.

Outra variável importante foi a inoculação com baixa ou alta concentração de Listeria. Já a população de coliformes inoculada foi constante, simulando os níveis descritos nos artigos em que se pesquisou a presença de coliformes nesse tipo de queijo (considerada alta). Em dias predeterminados, foram realizadas coletas de amostras e avaliadas as populações de Listeria, coliformes e bactérias láticas, além do pH, atividade de água, acidez e concentração de sal (NaCl).

Resultados

Segundo os autores, nos queijos acidificados por bactéria lática, a multiplicação de Listeria foi menor do que naqueles em que se usou o ácido lático.

“Algumas bactérias láticas conseguem inibir a Listeria produzindo bacteriocinas, que são peptídeos antimicrobianos. Seria um caminho alternativo: usar culturas produtoras de bacteriocinas na acidificação para reduzir o risco de multiplicação da Listeria. Porém, há uma tendência da indústria de usar o ácido lático, pois o rendimento é maior. Nesse sentido, o trabalho faz um alerta aos fabricantes que usam acidificação direta: o risco da presença de Listeria aumenta”, afirma Lina.

E o experimento mostrou também que a presença dos coliformes aumentou o efeito de inibição que as culturas láticas têm sobre a bactéria patogênica. Nos queijos inoculados com baixa população de Listeria, a cultura lática e os coliformes juntos conseguiram impedir sua proliferação em qualquer temperatura.

“Claro que a 25 ºC não inibem tão bem quanto em outras temperaturas, especialmente a ideal. Agora, quando se tem uma contaminação inicial alta por Listeria, os efeitos não são tão pronunciados, porque ela já começou com muita vantagem. Mas, ainda assim, observa-se efeito inibidor, sobretudo dos coliformes”, revela Pinto.

A equipe faz um alerta importante quanto aos resultados: “Não queremos que as pessoas nos entendam mal: o artigo evidentemente não faz apologia do uso de coliformes para inibir a Listeria, longe disso. Apenas aponta uma característica dos queijos brasileiros que deveria ser mais estudada e receber mais atenção”, esclarece Lina.

Os cientistas explicam ainda que, embora a detecção de uma alta quantidade de coliformes em queijos feitos com leite pasteurizado indique que houve contaminação após a pasteurização, revelando falhas no processo (ou uso de matéria-prima de baixa qualidade), ela não está diretamente correlacionada com a presença de patógenos.

“Indica falha higiênica, mas não necessariamente contaminação com microrganismo perigoso. Legislações de diversos países no mundo têm revisado o uso de coliformes como indicadores de higiene em produtos alimentícios, preferindo avaliar a presença de E. coli, que é um melhor marcador de contaminação fecal”, diz Pinto, dando uma dica aos apreciadores do queijo minas frescal: “Se o produto for todo furadinho, procure outra marca”.

O artigo Listeria monocytogenes inhibition by lactic acid bacteria and coliforms in Brazilian fresh white cheese pode ser lido em https://link.springer.com/article/10.1007/s42770-021-00431-4.