Plataforma identifica no solo microrganismos causadores de doenças

Roseli Andrion | Agência FAPESP – Um dos maiores desafios da agricultura de precisão é o mapeamento da comunidade de microrganismos benéficos e causadores de doenças (patogênicos) presentes no solo. Para auxiliar nesse processo, o biólogo Rafael Silva Rocha criou a startup de biotecnologia ByMyCell.

Por meio de sequenciamento de DNA de nova geração, os pesquisadores da empresa são capazes de identificar em amostras de solo a diversidade de microrganismos (microbiota), de forma rápida, com alta resolução e custos mais acessíveis que outras alternativas existentes no mercado. Dessa forma, conseguem detectar focos de patógenos e auxiliar o produtor a tomar decisões para aumentar a produtividade e reduzir o uso de agroquímicos.

“Fornecemos genômica de maneira facilitada, em uma plataforma de análise de dados robusta e em nuvem, que agiliza a pesquisa e desenvolvimento dos clientes”, diz Silva Rocha. A partir dessa atuação, a equipe criou uma solução para o agronegócio – e, atualmente, tem voltado seus esforços para o segmento.

Inicialmente, o objetivo era atender à demanda de empresas e grupos de pesquisa. Tanto que a lista de clientes da ByMyCell inclui instituições como as universidades de São Paulo (USP), Estadual de Campinas (Unicamp), Estadual Paulista (Unesp), universidades federais, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Butantan, entre outros. Mais de 200 clientes já utilizaram a plataforma.

Ao notar que o agronegócio tem dificuldade para identificar microrganismos patogênicos, os fundadores da ByMyCell decidiram mudar a direção e “pivotar” a empresa: o termo pivot, do inglês, significa “mover-se em torno do próprio eixo”. “Fizemos algumas modificações na plataforma e passamos a oferecer a solução para produtores rurais. Foi uma necessidade que surgiu durante o processo”, explica Silva Rocha.

A plataforma da ByMyCell, aprimorada por meio de um projeto apoiado pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, é capaz de identificar qualquer microrganismo: com uma única análise, é possível mapear mais de 300 mil agentes. “E o melhor: o custo é bem acessível”, afirma Silva Rocha. No caso do agronegócio, a metodologia tem sido aplicada na identificação de fungos patogênicos – o principal problema do setor.

Apesar de ter concorrentes, o modelo da ByMyCell é único: não há quem ofereça o mesmo serviço no Brasil – a maioria fornece dados brutos, compara o pesquisador. “Isso nos permitiu crescer rapidamente. Algumas empresas têm soluções importadas, mas o custo é alto e a precisão é baixa, já que não são específicas para o Brasil.”

O sistema da ByMyCell calcula o risco de doença em uma propriedade, compara com o banco de dados exclusivo criado pela própria equipe e aponta previsões. “Isso vai tanto em forma de tabela quanto diretamente no mapa da fazenda. Para o agrônomo, é muito mais intuitivo: ele consegue ver espacialmente onde exatamente cada microrganismo pode atuar”, avalia.

Além disso, a empresa oferece sugestões de bioinsumos nacionais que podem tratar cada doença. Atualmente, 50% do custo de produção é direcionado a produtos químicos importados. “Essa é a despesa que o produtor busca reduzir. Com o mapeamento, a atuação se torna mais precisa, já que os microrganismos estão identificados. E ele pode adotar produtos nacionais e mais sustentáveis”, aponta.

Atualmente, perdem-se, em média, no mundo, 23% das produções agrícolas por doenças causadas por fungos. É possível que, a médio e longo prazos, as análises proporcionadas pela plataforma levem a uma redução nessa incidência, uma vez que as pragas serão atacadas corretamente. “O produtor pode controlar doenças que nem sabia que tinha”, diz Silva Rocha.

O pesquisador destaca que o preço da análise varia de 0,3% a 0,5% do custo de produção. “É um percentual muito baixo, especialmente quando comparado com os 50% dedicados a químicos”, avalia.

Parceria com universidades

O biólogo tem vasta experiência no segmento. Graduado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), fez doutorado em um centro de biotecnologia de Madri, na Espanha, onde se especializou em bioinformática. Depois disso, passou pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto durante o pós-doutorado e atuou como professor na USP.

Em 2022, entretanto, decidiu se dedicar integralmente à criação e à operação da ByMyCell. Toda sua expertise de análise de dados genômicos foi, então, aplicada no desenvolvimento da solução. “Identifiquei a demanda por esse produto quando ainda atuava na universidade”, diz.

A startup ainda mantém parcerias com a academia. “Temos três projetos em andamento. Enquanto a empresa tem a agilidade que não está disponível na universidade, a universidade tem benefícios que a empresa não tem”, compara. “Esses convênios auxiliam na formação de recursos humanos: ou seja, permitem o desenvolvimento dos profissionais e oferecem a possibilidade da incorporação dos talentos à empresa.”

Silva Rocha conta que, hoje, no Brasil, poucas universidades trabalham com genômica 100% em nuvem. “Até pouco tempo atrás, ainda compravam servidores físicos. Então, muitos estudantes não têm experiência com nuvem. A USP tem sido muito parceira: trazemos estagiários do último ano, treinamos nessa tecnologia e os deixamos preparados para o mercado de trabalho. Dos cinco que estiveram conosco nesse período, dois já foram efetivados.”

A startup tem dois sócios-fundadores e dez funcionários. Nos últimos dois meses, a equipe aumentou 100% por meio do projeto apoiado pelo PIPE-FAPESP. “A ByMyCell já fatura, já paga suas contas, e os recursos do projeto foram dedicados a criar um grupo de pesquisa e desenvolvimento.” Até o fim do ano, mais especialistas devem ser integrados à equipe e o total de funcionários deve chegar a 15.

Segundo ele, o PIPE-FAPESP foi fundamental para o crescimento da empresa, que fez um movimento diferente do que é feito pela maioria das startups apoiadas pela instituição. “Quando iniciamos a startup, usamos capital próprio. Em seguida, recebemos um investimento-anjo, que permitiu acelerar o desenvolvimento.” Com o aprendizado obtido diretamente com os clientes, a ByMyCell pôde se candidatar ao PIPE no início de 2023.

Aplicação em saúde humana

A tecnologia desenvolvida pelos pesquisadores da ByMyCell pode ser utilizada até no segmento de saúde humana. Ela serviria, por exemplo, para sequenciar o DNA de um vírus – como ocorreu durante a pandemia de COVID-19, quando foi necessário desvendar as características do coronavírus causador da doença para desenvolver medicamentos capazes de combatê-lo.

A startup tem planos para esse nicho. “Muitos patógenos humanos não são conhecidos e há casos de infecções que não são tratadas adequadamente porque o diagnóstico é impreciso. Um exemplo é o Sporothrix, um fungo muitas vezes confundido com a Leishmania, um protozoário”, explica. “Imagine ter um teste que examine todos os microrganismos, em vez de analisar cada um deles individualmente?”.

Como esse setor é muito mais regulado, seriam necessárias adaptações. “Para que nosso laboratório tenha certificação para atuar nessa área, o investimento inicial seria de, no mínimo, R$ 100 mil.” A possibilidade já é estudada pela empresa e a meta é ousada: a ByMyCell quer oferecer esse tipo de solução ao mercado em três a cinco anos. “Nos próximos três anos, vamos nos dedicar ao agronegócio, onde há maior atração no momento. A partir daí, teremos maturidade tecnológica e da própria empresa para atuar em saúde humana.”