Entender mecanismo que leva à perda de apetite pós-exercício abre novo caminho para tratar obesidade
Luciana Constantino | Agência FAPESP – A complexa relação entre a atividade física e o equilíbrio energético (ingestão de alimentos versus gasto calórico) ainda é um desafio para a ciência, principalmente frente aos crescentes índices de sobrepeso e obesidade no mundo. Alguns medicamentos disponíveis no mercado para o combate à obesidade funcionam de forma análoga a hormônios relacionados ao controle do apetite. Nesse sentido, um caminho tem se destacado na área – entender os processos ligados a metabólitos (produtos do metabolismo das células) no controle da fome e da saciedade.
E é exatamente uma possível combinação de mecanismos semelhantes às funções hormonais com as de metabólitos que os pesquisadores Henver Simionato Brunetta, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Jens Lund, da Universidade de Copenhague (Dinamarca), apontam como promissora para avançar em relação aos tratamentos disponíveis atualmente. Em editorial publicado em The Journal of Physiology, ambos analisam um estudo randomizado divulgado na mesma edição.
A pesquisa investigou a interação metabólica entre carboidratos e exercícios e o seu papel na regulação aguda do apetite. Liderado pelo professor James Frampton, do Imperial College de Londres, o estudo apontou dois metabólitos – acetato e succinato – como potenciais mediadores do apetite induzido pelo exercício físico e das respostas de ingestão de energia.
“O ponto mais interessante deste trabalho, o que os pesquisadores observaram, é que o exercício de forma aguda suprime a fome. Porém, somente o perfil hormonal não é suficiente para explicar o efeito. Com isso, eles fizeram uma avaliação dos metabólitos alterados pelo exercício e por outras condições alimentares, percebendo que alguns deles, como acetato e succinato, atuam como preditores de saciedade. De alguma forma, os metabólitos estão regulando a fome e a saciedade, embora a gente ainda não saiba exatamente como”, explica Brunetta à Agência FAPESP.
No estudo cruzado randomizado, o grupo de Frampton recrutou 12 participantes do sexo masculino, com idade entre 18 e 40 anos, entre fevereiro de 2019 e 2020 – foram excluídas mulheres devido à influência do ciclo menstrual no apetite. Eles realizaram 30 minutos de exercício, seja em jejum ou após ingestão de carboidrato. Depois disso, foi oferecida aos participantes uma refeição, que permitiu avaliar a ingestão calórica, sensações subjetivas de apetite, além de metabólitos e hormônios por meio de exames de sangue.
Descobriram que tanto os carboidratos como o exercício aumentaram os níveis de GLP-1 (hormônio redutor da fome) e diminuíram os de grelina (hormônio que aumenta a fome). No entanto, os metabólitos pareciam responder melhor ao exercício do que a ingestão de carboidratos, produzindo um conjunto hormônios/metabólitos com potencial para suprimir o apetite, apesar do aumento no gasto energético induzido pelo exercício.
Relacionada ao aumento do risco para outras doenças, como as do coração, diabetes e hipertensão arterial, a obesidade deve afetar 1 bilhão de pessoas no mundo até 2030, segundo o Atlas Mundial da Obesidade, da organização internacional World Obesity Federation. Para o Brasil, a estimativa é que atingirá cerca de 30% das pessoas adultas.
Linha de estudo
Atualmente desenvolvendo seu pós-doutorado com o apoio da FAPESP (19/21852-1 e 22/00358-1), Brunetta faz parte da equipe do professor do Instituto de Biologia da Unicamp Marcelo Mori. A equipe de Mori foi a primeira a mostrar – em julho de 2020 – que o SARS-CoV-2 era capaz de infectar células de gordura humanas e a sugerir que o tecido adiposo serviria de reservatório para o vírus (leia mais em: agencia.fapesp.br/40093).
Já Brunetta trabalha há anos com pesquisas envolvendo obesidade e metabolismo. Desde 2019 tem focado em fatores secretados pelo tecido adiposo – tanto hormônios como outras substâncias, entre elas metabólitos. “Como o trabalho da equipe de Frampton buscava entender de que modo substâncias secretadas controlam o metabolismo, ele vai claramente ao encontro do que faço. Hoje sabemos que os órgãos liberam muito mais substâncias do que hormônios. E elas são muito ativas”, completa.
Inicialmente considerado um reservatório energético, o tecido adiposo é reconhecido como um importante órgão endócrino. Sua função de comunicação com outros órgãos se dá por meio da secreção de hormônios chamados adipocinas e de microRNAs (miRNAs). Ainda em versão preprint (sem revisão por pares), Brunetta assina outro artigo que trata da adaptação bioenergética adequada do tecido adiposo marrom.
O artigo Chasing the hunger-suppressive signals of human exercise pode ser lido em: https://physoc.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1113/JP285096.