Com moléculas produzidas por bactérias de caverna no Pará, pesquisa busca encontrar elementos para o tratamento de tumores
O percurso de uma pesquisa científica é minucioso, cheio de becos sem saída critérios e possibilidades. Ela nasce de uma ideia, e até chegar à comunidade, passa pela mão de muita gente. A pesquisa que a Professora Kátia Sabrina Paludo (Universidade Estadual de Ponta Grossa) desenvolve é assim: trabalho de formiguinha, mas na busca de novos medicamentos para tratamento de câncer.
E sabe de onde vêm as moléculas que ela tem estudado? De bactérias, encontradas em uma caverna lá no norte do Brasil, no Pará. E é aí que a gente vê, em mais um momento, como a colaboração entre pesquisadores é fundamental para o desenvolvimento do trabalho. As tais bactérias chegaram até Kátia (que integra o Departamento de Biologia Estrutural, Molecular e Genética) através do prof. Dr. Ulisses Brigatto Albino, da Unifesspa (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará), que fez sua pesquisa de pós-doutorado na UEPG em 2015. Sabendo disso, a colaboração entre os dois professores é um trabalho complementar.
Kátia segue como linha de pesquisa atividades biológicas e aplicações biotecnológicas de toxinas de animais peçonhentos, extratos de plantas e microrganismos buscando encontrar componentes com atividade biológica interessante e que possa, por exemplo, vir a se tornarem um medicamento. Ela atua em pesquisas pré-clínicas.
A pesquisa
Primeiro, o material foi coletado das paredes e solo da tal caverna e, em laboratório, os microrganismos presentes foram isolados. O início dos testes, já aqui na UEPG, foi para verificar se o material conseguia matar microrganismos patogênicos, causadores de doenças. Depois foram testadas em células tumorais humanas. Aqui foram selecionados 3 microrganismos isolados da caverna com os melhores resultados nestes testes.
Voltando ao Pará, em 2018 o Professor Ulisses fracionou o material que essas bactérias produziam, para poder identificar o que poderia ser o componente com potencial de matar as células tumorais. Este fracionamento voltou à UEPG e os testes recomeçaram pela Professora Kátia. Os testes foram feitos em linhagem de células de melanomas e algumas frações se mostraram interessantes.
E adivinha? Os extratos voltaram para o norte do País e foram fracionados novamente, com a colaboração de pesquisadores da área de química, de outras Universidades. Tudo isso para tentar isolar as moléculas responsáveis pelo efeito visto, que quando encontrada e confirmado seu potencial, poderá ser utilizada no desenvolvimento de novos tratamentos e medicamentos. Hoje a pesquisa está na fase de teste destas moléculas puras nas culturas, em laboratório.
E vale o lembrete: esta quantidade de testes em laboratório são etapas fundamentais para as pesquisas. O uso de cultivo celular também é primordial para diminuir o uso de testes em animais, que passam a ser utilizados quando os resultados já estão favoráveis, nas próximas fases.
Busca na natureza
Quando colocado no papel a explicação da pesquisa levou 3 parágrafos. Na vida real todo este processo completa 6 anos. E está só no começo. Quando um laboratório possui estrutura física, financeira e recursos humanos, o tempo médio para chegar a estas moléculas puras é de aproximadamente 10 anos.
E procurar estas moléculas na natureza, ainda que demore este tempo, se apresenta mais provável de resultados positivos do que criar moléculas do ‘zero’ em laboratório. Hoje mais de 60% de todos os medicamentos para tratamento de câncer vieram de fontes naturais. Afinal, o meio ambiente está há milhões de anos em processo evolutivo, fazendo com que os seres desenvolvessem uma séria de mecanismos para se adaptarem às dificuldades do planeta.
E assim respondemos a pergunta do por que da escolha da bactéria de uma caverna. “Hoje sabemos que cavernas são ambientes bem interessantes para desenvolvimento de microrganismos diferentes, porque lá não tem todos os nutrientes e a luz é escassa, por exemplo, se tornando um ambiente difícil e desafiador. Isto faz com que os microrganismos tenham dificuldade de sobreviver e precisem competir com outros, o que faz com que muitos produzam substâncias diferentes de outros seres que tem todos os elementos que precisam”, explica Kátia.
Critérios para seguir com a pesquisa
Para levar adiante pesquisas, existem critérios internacionais a serem seguidos, que determinam se vale a pena ou não a sua continuidade. Afinal, a cada 10 mil moléculas, apenas 1 vai conseguir ser usada em medicamentos. Nesta pesquisa que a Professora Kátia desenvolve, os testes com as moléculas puras (fase atual) precisam continuar correspondendo positivamente a eles, para que a pesquisa vá para outras fases.
Um dos critérios é de que o componente precisa matar metade das células de uma cultura, com concentração de no máximo 30 microgramas por ml. Outro é o índice de seletividade, que diz que, sob uma mesma concentração, mate o dobro de células tumorais em comparação com os testes em células normais, ou seja, que se apresente duas vezes mais tóxico em células de câncer.
Até agora, de todo o material coletado, nenhum ficou abaixo dos 30 microgramas por ml, mas os índices de seletividade foram altos, o que motivou novos testes. “A expectativa é de que entre as subfrações que vamos trabalhar agora, encontremos alguma que preencha os dois critérios. Se isso acontecer, seguimos com experimentos testando outras dinâmicas celulares, como divisão e migração”, coloca Kátia. Situações como: o componente apenas mata a célula ou impede sua multiplicação?; e qual tipo de morte celular está envolvido? Estas respostas são fundamentais para caracterizar uma molécula com bom potencial de se tornar um medicamento antitumoral.
Para realizar todos estes testes e viabilidade das moléculas, é estimado mais 1 ano de pesquisa. E aí sim, segue para testes em laboratório com animais. E todo o processo de testes e pesquisa continua, com a esperança de que a molécula venha um dia a ajudar no desenvolvimento de novos e melhores tratamentos de doenças.
Fontes: Professora Doutora Kátia Paludo,
– Atualmente 60% das drogas quimioterápicas atuais derivam de alguma fonte natural. Fonte: Cragg e Pezzuto. Natural Products as a Vital Source for the Discovery of Cancer Chemotherapeutic and Chemopreventive Agents. Med Princ Pract. 2016.
– A cada 10.000 moléculas testadas, apenas uma se torna um medicamento que será comercializado. Fonte: Natural Products: Drug Discovery and Development, August 2020, DOI:10.1007/978-981-15-5534-3_2. In book: Drug discovery from Natural ProductsChapter: Natural Products: Drug Discovery and DevelopmentPublisher: Springer Nature.
Premiação:
– Prêmio de melhor trabalho no7th Brazilian Conference on Natural Products (BCNP/XXXIII RESEM). Santos, R.S. et al. Título: “Prospecting bioactive substances produced by Bacillus isolated from cave”.
Publicações:
– Artigo científico na revista Scientia Plena: R. S. Santos et al. Extract of bacterial strain isolated from cave in the eastern Amazon induces selective cytotoxicity on tumor line of murine melanoma. v. 17 n. 2 (2021). doi: 10.14808/sci.plena.2021.026201
– Resumo completo no XXVIII Evento de Iniciação Científica – EAIC.
– Apresentação de trabalho no 30º Congresso Brasileiro de Microbiologia, outubro de 2019, Maceió. Santos, R.S et al. Título: ANTICANCER ACTIVITY BY BACTERIA ISOLATED FROM A CAVE IN THE EASTERN AMAZON.
– Apresentação de trabalho no 7th Brazilian Conference on Natural Products (BCNP/XXXIII RESEM).Santos, R.S. et al. Título: “Prospecting bioactive substances produced by Bacillus isolated from cave”.
Alunos envolvidos:
Com esta linha de pesquisa, até agora já foram desenvolvidos 2 projetos de Iniciação Científica (Raulem Santana Santos e Giovana Sequinel Correa, ambos bolsistas do CNPQ), 2 Trabalhos de Conclusão de Curso (Felipe Augusto Barbosa Biscaia e Graziele de Fátima Neves dos Santos) e 1 projeto de Mestrado (Raulem Santana Santos).